Não-binariedade e pronomes neutros
- levi cezar
- 20 de jun. de 2021
- 6 min de leitura
Antes de mais nada, é preciso deixar absolutamente claro que o que for dito são apenas minhas experiências pessoais e sobre minha vivência como uma pessoa trans não-binária, e isso não quer dizer que as demais pessoas trans pensem da mesma forma.
Para falar sobre a não-binariedade, é preciso entender qual é o modelo de sociedade em que vivemos. O modelo de sociedade em que vivemos é um modelo binário hétero-cis-normativo. Ou seja, uma sociedade baseada nos pilares héterossexuais, onde, normalmente e em especial no Brasil, o homem é a figura central, não apenas na relação afetiva, mas socialmente. A mulher, por outro lado, é tida como braço direito do homem, mas não como figura central, sendo normativamente uma figurante. Ambos os indivíduos que se identificam com o gênero/sexo que lhes foi designado ao nascimento, um homem cisgênero e uma mulher cisgênero, possuem orientações sexuais héterossexuais, ou seja, um homem que sente atração por uma mulher e uma mulher que sente atração por um homem. Por isso, a ideia de uma sociedade binária, onde você só é X ou Y (homem ou mulher). Essa sociedade, como a brasileira, possui preceitos baseados em uma determinada religião, a cristã, que servem de pilares e parâmetros para a vivência em todos os aspectos do cotidiano, principalmente morais, tendo o homem como figura central e a mulher como figurante.
Diferente das pessoas cisgêneros, existem as pessoas que são transgêneros. São aquelas pessoas que nasceram e lhes foi designado um determinado gênero de acordo com seus órgãos genitais, mas que não se identificam/entendem com o gênero que lhes foi designado ao nascimento; por isso, são pessoas transgêneros. Qualquer pessoa que ao nascimento teve um gênero X ou Y designado, mas não se identifica/entende com o mesmo pode ser considerada uma pessoa trans. Uma pessoa que foi designada como mulher, mas não se identifica dessa forma e sim como homem, é um homem trans. Ou uma pessoa que teve a designação de homem no nascimento, mas não se identifica/entende dessa forma e sim como uma mulher, é uma mulher trans/travesti. Apesar do que muitas pessoas pensam, a denominação "travesti" não é algo pejorativo! O que é pejorativo é chamar uma travesti pelo pronome errado! Uma mulher trans é tão mulher quanto uma mulher cisgênero, independentemente de “quão ela já tenha transicionado” — com muitas aspas. Mas, mesmo sendo uma pessoa trans, ela ainda pode ser enquadrada como uma pessoa binária! Pois ela “entende” somente esses dois espectros (homem e mulher).
E ainda dentro do que diz respeito às pessoas transgêneros, existem as pessoas que são as trans não-binárias — assim como eu — que não se identificam com o gênero que lhes foi designado ao nascimento, mas não se enquadram dentro do que é tido como binário (homem e mulher). Não-binário é somente um termo guarda-chuva; dentro dele, existem diversos tipos de identidade de gênero! Considerar-se uma pessoa não-binária pode significar que essa pessoa ainda não entendeu 100% em qual identidade não-binária ela se encontra ou que ela só não especificou mesmo para você. Baseado no modelo de sociedade que nós vivemos e como as informações são binárias, sejam informações em filmes, séries, novelas, jornais ou shows, é completamente normal a pessoa ainda fazer alguns questionamentos sobre a sua identidade de gênero. Ninguém é obrigado a entender 100% de uma vez algo sobre si. As pessoas não-binárias podem se identificar/entender com algumas identidades de gênero, como:
Agênero = não se identifica com NENHUM gênero existente — meu caso;
Bigênero = pode se identificar com dois gêneros;
Poligênero = identifica-se com vários ou todos os gêneros — inclusive com um terceiro gênero;
Gênero-fluido =essa pessoa pode fluir entre os gêneros — como no caso do personagem Loki da Marvel;
Terceiro Gênero = identifica-se com um terceiro gênero/sexo.
Esses são somente alguns exemplos de identidades não-binárias, mas ainda existem muitas outras identidades de gênero não-binárias!
Todas as pessoas usam pronomes dentro da linguagem, e agora é a parte mais polêmica quando se fala de pessoas não-binárias: os pronomes neutros. Pessoas cisgêneros, normalmente, usam pronomes femininos ou masculinos (ela/dela, ele/dele), onde o homem (cis ou trans) usa os pronomes masculinos (ele/dele) e a mulher (cis ou trans) usa os femininos (ela/dela). As pessoas não-binárias podem se identificar/usar também os pronomes masculinos e/ou femininos, mas algumas pessoas não-binárias fazem uso de pronomes neutros (e/elu/delu). Apesar de o português ter vindo do latim, ele não possui pronomes neutros; como no latim, gramaticalmente, em português, os pronomes neutros e masculinos são uma única coisa! Mas a assimilação desses pronomes com a masculinidade pode ser um fator que faz com que as pessoas utilizem pronomes propriamente neutros. A utilização desses pronomes neutros pode ser considerada um dialeto das pessoas não-binárias, assim como os dialetos brasiliense, caipira, baiano, entre outros. Mas, acima de tudo, esse dialeto serve para incluir essas pessoas que são tão marginalizadas. Em contraponto, é muito comum ouvir pessoas, normalmente cisgêneros, falarem que esse dialeto não é inclusivo por não levar em consideração as pessoas surdas, analfabetas e que têm outras condições e necessidades especiais. O que eu concordo! — mas calma, continua lendo. Sou uma pessoa que fala mais de um idioma, inclusive linguagem de sinais (LIBRAS), e sei como as informações para as pessoas surdas são uma outra realidade. O próprio português já é de EXTREMA dificuldade no cotidiano. Sei como é difícil traduzir algo para LIBRAS, pois já fiz isso inúmeras vezes, e muitas coisas que são normais e essenciais dentro do português, como preposições, não são normais dentro da linguagem de sinais. Mas essas mesmas pessoas que alegam que o dialeto não é inclusivo com, principalmente, a comunidade surda, NÃO SABEM NADA EM LINGUAGEM DE SINAIS OU TENTAM SER INCLUSIVAS; ou seja, mais do que um argumento falacioso, é um argumento incongruente. O uso de pronomes neutros não é algo que é ensinado dentro das escolas ou universidades, assim como os demais dialetos brasileiros, mas a sua utilização é de extrema importância para a população não-binária. Não existe nenhum problema em você não saber usá-los; o importante é procurar saber como usá-los e estar disposto a aprender.
A utilização e adoção desses pronomes neutros é muito importante na vida dessas pessoas, que não são compreendidas pelo resto da sociedade e são tratadas como marginais, não conseguindo oportunidades de emprego, estudo, moradia, entre outros, principalmente por causa de sua identidade de gênero. Algumas pessoas não-binárias podem utilizar um ou mais pronomes — como eu. A utilização dos pronomes pode estar associada a como essas pessoas se sentem quando falam sobre si mesmas ou quando alguém se dirige a elas. Ou pode estar associada a como essa pessoa faz uso da expressão de gênero.
A expressão de gênero é outra coisa que todos temos, pessoas cis ou transgêneros. É a forma como você expressa seu gênero para o resto do mundo e para si mesmo. Você pode se expressar de uma “maneira mais masculina” ou “mais feminina”, ou usar ambos os elementos, ou de uma maneira ambígua. Existem diversos tipos de expressões de gênero, e não existe uma regra para sua associação com sua identidade de gênero ou orientação sexual.
Orientação sexual é como você se sente em relação às demais pessoas, a sua atração física e sexual por elas. Todo mundo tem uma orientação sexual, inclusive as pessoas que não sentem nenhum tipo de atração por qualquer tipo de pessoa: as pessoas assexuais.
Assexuais = orientação sexual da qual a pessoa não possui nenhuma atração por qualquer tipo de pessoa, ou possui parcialmente/pouca atração por qualquer pessoa.
Héterossexual = orientação da qual a pessoa sente atração somente pelo gênero/sexo oposto.
Bissexual = orientação da qual a pessoa sente atração por dois ou mais gêneros/sexo
Pansexual = orientação da qual a pessoa sente atração por todos os gêneros — como eu.
Homossexual = orientação da qual a pessoa sente atração pelo mesmo gênero
Assim como as diversas identidades de gênero, as orientações sexuais são diversas. Diferente do que é dito, a orientação sexual não é uma questão de escolha! Ninguém acorda numa quarta-feira e decide ser homossexual e, consequentemente, apanhar na rua ou ser marginalizado pela orientação sexual. A orientação sexual é inerente ao indivíduo! A pessoa pode se identificar com qualquer identidade de gênero e pode pertencer também a qualquer tipo de orientação sexual.
A não-binariedade é um tabu dentro da nossa sociedade, principalmente por ter origens patriarcais e, consequentemente, ser hétero-cis-normativa. A luta da comunidade não-binária não é somente por pronomes neutros, mas por muitas outras pautas que são invisíveis e ironizadas, assim como a pouca visibilidade que as travestis tinham, e ainda têm, na sociedade, que é através da chacota e ridicularização. Seja em programas de televisão onde a personagem trans é uma figura completamente caricata, interpretada por um homem, normalmente branco, que vive da prostituição e da marginalidade. Ou, até mesmo em séries mais progressistas, como na série Dark, onde existe uma personagem trans, que é uma prostituta, e interpretada por um homem cisgênero. A luta é pela normalização desses corpos dentro de ambientes empresariais, dentro dos ambientes acadêmicos, dentro de ambientes que são tão dignos quanto são para as pessoas cis. A luta não é só das pessoas não-binárias, mas da comunidade trans por segurança pública e saúde pública, principalmente pelo fato de essa população não ter uma perspectiva de vida como a das pessoas cis. Isso acontece pelo simples fato de que essas pessoas trans, em destaque às mulheres trans, são assassinadas diariamente, principalmente no Brasil, que é o país que mais mata pessoas trans, em especial travestis. A luta é por dignidade, algo que as pessoas cis estão acostumadas a ter e que nunca foi questionado!
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