Afeganistão
- levi cezar
- 18 de ago. de 2021
- 5 min de leitura
O assunto mais comentado na última semana, sem dúvidas, é a saída das tropas dos Estados Unidos do Afeganistão e a rápida ascensão do grupo radical islâmico Talibã. Essa guerra, que perdura há mais de décadas, começou muito antes da entrada das tropas estadunidenses.
Para entender como chegamos ao ponto atual, é necessário analisar o ano de 1979, quando a União Soviética ainda existia. Nesse mesmo ano, ocorreu uma revolução islâmica no Irã, país vizinho do Afeganistão e das repúblicas socialistas da União Soviética. No ano anterior, 1978, o Afeganistão passou por uma revolução comunista — a Revolução de Saur — que foi apoiada pela União Soviética. Contudo, parte da população afegã não era conivente com a revolução comunista, o que levou ao surgimento dos Mujahidin (مجاهدين), grupos fundamentalistas islâmicos que lutavam contra as ideologias comunistas e pela Jihad (guerra santa).
Além disso, para manter a influência comunista em um território vizinho e com receio de que o islã se propagasse pelas repúblicas comunistas soviéticas, principalmente a partir de 1979, os soviéticos começaram a investir em recursos logísticos para o governo comunista afegão. O avanço da revolução islâmica no Irã fortaleceu as guerrilhas Mujahidin dentro do Afeganistão, tornando inevitável a perda do país pelos soviéticos. Assim, em 1979, a União Soviética começou a enviar suas tropas para combater as guerrilhas, dando início à Guerra Afegã-Soviética ou Guerra do Afeganistão de 1979.
Assim como os nazistas, que acreditavam que a invasão da Rússia durante a Segunda Guerra Mundial seria uma guerra rápida, os soviéticos cometeram o mesmo erro ao achar que derrotariam as guerrilhas Mujahidin rapidamente. No entanto, não foi isso que aconteceu. O exército afegão estava em um estado frágil e desmotivado, e as guerrilhas Mujahidin, assim como os vietcongues na Guerra do Vietnã, conheciam bem seu próprio território e se escondiam nas montanhas, o que prolongou a guerra mais do que os soviéticos haviam previsto.
Outra semelhança com a Guerra do Vietnã foi o apoio estrangeiro aos grupos locais. No Vietnã, os vietcongues recebiam apoio da China e da Rússia, enquanto o Vietnã do Sul recebia apoio dos americanos. No caso dos Mujahidin, eles recebiam apoio financeiro e armas dos Estados Unidos, Reino Unido, Irã, Arábia Saudita, Paquistão, entre outros. Com o passar do tempo, a guerra tornou-se cada vez mais custosa para a União Soviética. Em 1985, os soviéticos decidiram investir ainda mais na guerra para tentar terminá-la, o que resultou em um maior descontentamento da população afegã com o governo comunista. Muitos afegãos acabaram se juntando aos Mujahidin devido aos bombardeios soviéticos, que atingiam áreas civis.
Apesar do aumento do número de guerrilhas, a União Soviética ainda tinha a vantagem aérea, que os Mujahidin não possuíam. No entanto, em 1986, a situação mudou quando os Estados Unidos forneceram aos Mujahidin o armamento FIM-92 Stinger, que se revelou muito eficaz contra as forças aéreas soviéticas.
Com a guerra se tornando muito custosa, em 1987, os soviéticos começaram a evacuar suas tropas do território afegão, processo que se completou em 1989. Mesmo fora do território, a União Soviética continuou a apoiar o governo comunista afegão até 1991, quando a União Soviética entrou em colapso. No ano seguinte, o governo comunista do Afeganistão também caiu, dando origem ao Estado Islâmico do Afeganistão.
Em 1994, com a falta de hegemonia no país, surgiu um novo grupo radical islâmico, o Talibã, financiado pela Arábia Saudita. De 1994 a 1996, o grupo era considerado uma milícia, mas em 1996 o Talibã conseguiu tomar o poder e estabelecer um governo. Até 1998, o Talibã controlava quase 90% do território afegão. Entre suas ideias radicais, o Talibã impôs que meninas acima de 10 anos de idade não poderiam frequentar escolas, mulheres adúlteras deveriam ser mortas e crimes de corrupção seriam punidos com a morte, entre outras medidas extremas.
Outro grupo radical, que surgiu antes do Talibã e desempenha um papel central nesta história, é a Al-Qaeda (القاعدة), fundada por Osama Bin Laden em 1988. Bin Laden havia sido treinado pela CIA para lutar contra os soviéticos. Assim como a Al-Qaeda, outros grupos radicais não hegemônicos também eram abrigados pelo Talibã.
Em 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos sofreram um ataque terrorista que resultou na derrubada das Torres Gêmeas e na morte de 2.996 pessoas. No mesmo ano, o presidente George W. Bush declarou guerra ao Afeganistão, devido ao abrigo fornecido ao grupo da Al-Qaeda, e removeu o Talibã do poder. No entanto, assim como os Mujahidin haviam feito quando os soviéticos invadiram o Afeganistão, a Al-Qaeda e outros grupos radicais se refugiaram nas montanhas.
Com o Talibã fora do poder, em 2004, ocorreram eleições presidenciais e escolas para mulheres foram reabertas.
Contudo, mesmo com o Talibã fora do poder, isso não significa que o grupo foi extinto; ele se refugiou no interior do país, onde conseguiu manter um financiamento próprio através da produção de drogas, principalmente ópio, e da cobrança de pedágios e outros serviços para a população das regiões. Assim como para a União Soviética, a permanência no Afeganistão tornou-se custosa para os Estados Unidos. Para muitos americanos, a presença no país após 2011, quando Osama bin Laden foi morto, parecia ilegítima e custava a vida de soldados americanos, semelhante à permanência dos soldados americanos na Guerra do Vietnã.
Como uma das promessas de campanha de Donald Trump, foram iniciadas discussões com o Talibã, em 2020, sobre a retirada das tropas americanas do território afegão e a retomada gradual do poder pelo grupo. Em troca, o Talibã se comprometeria a não atacar os Estados Unidos ou seus aliados. A partir desse momento, o Talibã cessou fogo contra os soldados americanos, mas continuou a atacar civis e tropas afegãs. Assumindo a presidência dos Estados Unidos em 2021, Joe Biden manteve a promessa de Donald Trump de remover as tropas e garantir que não haveria retaliações contra os grupos radicais dentro do Afeganistão.
Com a saída completa das forças americanas, o Talibã começou a dominar diversas regiões do país que ainda eram governadas pelo governo afegão. Segundo Washington, Cabul, a capital do país, seria tomada em cerca de 30 dias após a saída das forças americanas; no entanto, em poucas semanas, o Talibã tomou a capital e destituiu o governo vigente, no dia 15 de agosto de 2021.
Após a retomada do poder pelo Talibã, os Estados Unidos foram criticados por sua capacidade geopolítica. Em resposta, Joe Biden fez um pronunciamento no dia 17 de agosto de 2021, reafirmando sua promessa de campanha e criticando a permanência das tropas estadunidenses no país. Biden afirmou que os Estados Unidos haviam feito o possível para auxiliar o povo afegão, com treinamentos e outros recursos.
Com o retorno do Talibã ao poder, muitas das conquistas anteriores foram postas em xeque, especialmente em relação aos direitos humanos e aos direitos das mulheres. O desespero dos afegãos é evidente, como mostrado nas imagens de pessoas tentando fugir do país penduradas em aviões em pleno voo. A situação da população afegã é incerta, especialmente no que diz respeito aos direitos das mulheres, crianças e da comunidade LGBT, representando um retrocesso sem precedentes e culminando na criação e fortalecimento de grupos radicais islâmicos que buscam sua Jihad.
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